Em várias partes do país, cadáveres são escassos nos cursos ligados à saúde. Em Brasília, regulamentação do serviço pelo Ministério Público facilita trâmite e até sobram corpos; entenda.
Por Walder Galvão, g1 DF
A lei que estabelece a doação de cadáveres no Brasil é de 1992. De acordo com a norma, corpos que não foram reclamados – aqueles sem identificação ou que não aparece ninguém para dar início ao processo de sepultamento – podem ser doados para fins de estudo após 30 dias.
Entretanto, a lei prevê que os cadáveres sejam doados apenas para faculdades que tenham o curso de medicina, o que dificulta o acesso de estudantes de outras áreas da saúde à manipulação de corpos. Em algumas regiões do país, a falta de cadáveres prejudica a formação dos estudantes.
No Distrito Federal, desde 2010 uma portaria do Ministério Público (MPDFT) regulamenta a doação de cadáveres para a ciência. Por isso, segundo a professora de anatomia da faculdade de medicina da Universidade de Brasília (UnB), Flora Aparecida Milton, na capital federal não há falta de corpos para fins de estudo – pelo contrário, até sobram cadáveres.
“No DF, o esquema de captação e doação de corpos é muito organizado, de modo que não temos falta de cadáveres para ensino ou pesquisa e só não recebemos mais por falta de estrutura física [espaço na reserva técnica, cubas para acondicionamento] e de pessoal [professores e técnicos para manutenção e dissecação dos cadáveres]”, diz Flora Aparecida.
Como funciona a doação de cadáveres para estudo no DF?
A Promotoria de Justiça Criminal de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-vida) é responsável pelo serviço que permite o acesso das instituições de ensino aos cadáveres no Distrito Federal. A Pró-vida também cuida de toda captação dos cadáveres, além de reter as informações dos que estão disponíveis.
De acordo com a professora Flora Aparecida, que coordena a área de morfologia da UnB, por causa da portaria, toda instituição de ensino do DF que tem cursos na área da saúde e está devidamente cadastrada pode receber cadáveres para estudo, não apenas aquelas que têm curso de medicina.
Como é feita a distribuição dos cadáveres?
A destinação dos cadáveres para as unidades de ensino é feita por “rodizio cronológico” e obedece a ordem de inclusão das instituições.
“Haverá rodízios distintos para cadáveres de adultos, conforme o sexo, e de crianças”, diz a portaria.
A norma diz ainda que as instituições devem arcar com os custos totais do procedimento. As faculdades ainda são responsáveis por armazenar os corpos, além de manter a segurança dos servidores, empregados e alunos que irão manusear as peças.
De acordo com o MPDFT, até 30 de junho cinco fetos foram doados para instituições de ensino de Brasília. Em todo o ano passado, também foram cinco doações (veja quadro abaixo).
Corpos doados à instituições de ensino
Ano Cadáver adulto (feminino) Cadáver adulto (masculino) Feto/Natimorto Total 2023 (até 30 de junho) 0 0 5 5 2022 1 2 5 8 2021 2 1 8 11 2020 0 1 1 2 Fonte: MPDFT
Em 2020, por causa das restrições sanitárias impostas pela pandemia de Covid-19, ocorreram apenas duas doações de cadáveres: um homem adulto e um feto.
Atualmente, oito instituições de ensino estão cadastradas junto ao Pró-Vida para receber cadáveres para estudos:
- Centro Universitário do Planalto Central Aparecido dos Santos (Uniceplac)
- Universidade Católica de Brasília (UCB)
- Universidade de Brasília (UnB)
- UniCeub (Centro Universitário de Brasília)
- Faculdade LS
- UDF (Centro de Ensino Unificado do Distrito Federal)
- Unieuro
- ESCS/FEPECS
Qual a importância das doações para a ciência?
Alunos do curso de medicina em sala de aula — Foto: José Leomar
De acordo com a professora Flora Aparecida, por maiores que sejam os avanços, ainda não existem modelos sintéticos que consigam substituir um corpo real para pesquisas e estudos.
“Com um cadáver, a gente consegue dissecar as camadas e visualizar os nervos, por exemplo”, diz a especialista.
De acordo com ela, não é possível “reproduzir o cadáver em termos de textura, profundidade, localização e relação das estruturas”. A professora aponta ainda que um cadáver pode durar anos. “Quando estraga em uma área, a gente disseca para ver as camadas mais profundas”, conta.
A coordenadora da área de morfologia da UnB diz ainda que os corpos são essenciais para as técnicas de cirurgia. “O cirurgião precisa conhecer a anatomia mais comum, que a gente considera padrão, além das variações.”
E se a pessoa quiser doar o próprio corpo para a ciência?
Não são apenas corpos não reclamados que podem ser doados para a ciência. Qualquer pessoa que tiver interesse pode sinalizar que quer que o próprio cadáver seja objeto de estudo após a morte.
A manifestação da vontade em vida pode constar em:
- Testamento
- Escritura pública com registro em cartório
- Testamento vital
Em Brasília também é possível fazer essa manifestação de forma presencial ou virtual por meio da Pró-vida. O atendimento inicial pode ser feito por e-mail, telefone ou mensagem (veja abaixo).
- O requerente deve enviar um e-mail com cópia do documento de identidade, endereço e telefone. Além disso, é necessário enviar o nome e contato de familiares ou amigos próximos, que possam fazer valer a vontade do doador em caso de morte;
- Em seguida, a documentação será cadastrada pela promotoria;
- A terceira etapa é uma videoconferência com a equipe da promotoria, que no final, vai enviar uma cópia da certidão para o requerente.
O Ministério Público do Distrito Federal orienta que a decisão de doar o cadáver para a ciência seja compartilhada com familiares próximos, que serão responsáveis por comunicar a morte à promotoria, viabilizando o procedimento.
Contatos
- Pró-vida
E-mail: provida@mpdft.mp.br
WhatsApp: (61) 99243-6381
Telefone: (61) 3343-9609