Fraude atingiu pelo menos 4 milhões de aposentados e pensionistas e os descontos indevidos passam de R$ 6 bilhões. O escândalo derrubou o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi.
Fonte: Fantástico
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O Fantástico teve acesso a informações da investigação da Polícia Federal (PF) sobre a fraude do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que atingiu pelo menos 4 milhões de aposentados e pensionistas. Os descontos indevidos passam de R$ 6 bilhões. A perícia descobriu que duas associações investigadas em Sergipe foram criadas com documentos que continham assinaturas falsas.
Em 2019, o INSS passou a permitir que associações – como essas de Sergipe – recolhessem contribuições de forma automática, descontadas direto das folhas de pagamento dos aposentados. Bastava apresentar um documento que comprovasse a associação do beneficiário de forma voluntária, que poderia ser uma simples assinatura. Foi aí que a fraude começou.
Os descontos ilegais aparecem nos contracheques como contribuição, seguido do nome de uma associação e de um número de telefone. Os valores variavam entre R$ 30 e R$ 50, e muitos beneficiários não percebiam para quem o dinheiro era destinado.
Uma aposentada de Feira de Santana, na Bahia, desconfiou do desconto. Ela, que não quis se identificar, insistiu com o Ministério Público Federal (MPF) e a investigação começou a andar em Sergipe. A associação Universo, que estava debitando dinheiro dela, tem sede em Aracaju.
O Fantástico teve acesso com exclusividade ao trabalho dos peritos da PF no estado, onde seis suspeitos foram presos. A perícia comparou assinaturas entregues pela aposentada a documentos fraudados que uma das associações investigadas usou para autorizar os descontos junto ao INSS.
“A assinatura que foi posta no termo de filiação e na autorização de desconto são falsificadas”, afirma o delegado Carlos César Pereira de Melo, delegado da Polícia Federal em Sergipe.
A polícia também descobriu fraudes na criação dessas associações. O Fantástico procurou a associação Universo que, segundo a investigação, falsificou a assinatura da aposentada da Bahia.
A entidade faz parte de um grupo que recebeu mais de R$ 300 milhões em 21 meses só em contribuições vindas do INSS. Esse grupo chegou a ter 629 mil associados; é mais do que a população inteira de Aracaju, onde a Universo é sediada, por exemplo. Outra associação investigada é a APDAP PREV, que tem sede em Nossa Senhora do Socorro, vizinha a Aracaju. As associações não atenderam aos pedidos de comentário da reportagem.
A investigação aponta que as entidades seriam controladas pelos empresários Alexsandro Prado Santos, o Lequinho, e Sandro Temer de Oliveira. Os dois são sócios e foram presos na operação deflagrada no final de abril (veja detalhes abaixo). As quantias transferidas do INSS para as duas associações eram distribuídas para várias empresas em nome de laranjas.
Segundo o delegado Carlos César Pereira de Melo, o mecanismo pode caracterizar uma tentativa de lavagem de dinheiro. “Em um dos documentos apreendidos, que foi uma agenda na casa do investigado, há registro de divisão de dinheiro em razão das associações”, diz.
A defesa de Alexsandro Prado Santos e Sandro Temer de Oliveira não quis se manifestar.
Operação da CGU e PF
A operação da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal, deflagrada no último dia 23, cumpriu mais de 200 mandados de busca e apreensão e ordens de sequestro de mais de R$ 1 bilhão. Os agentes foram às ruas do Distrito Federal e outros 13 estados para combater a fraude que desviou mais de R$ 6 bilhões de aposentadorias do INSS entre 2019 e 2024.
No dia da ação, a Justiça determinou o afastamento de seis servidores públicos suspeitos de omissão, entre eles o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, que acabou demitido.
A CGU disse que, por causa dos indícios de irregularidades, em 2023 recomendou ao INSS a suspensão dos acordos com associações que faziam descontos em aposentadorias. Carlos Lupi, então ministro da Previdência Social, confirmou que foi comunicado. Mas as denúncias só começaram a ser apuradas um ano depois, quando a CGU já tinha aberto auditoria, como revelou o Jornal Nacional.
Desgastado, Lupi pediu demissão na sexta-feira (2). O ex-deputado federal Wolney Queiroz foi nomeado o novo ministro da Previdência e o procurador federal Gilberto Waller Júnior assumiu o cargo de presidente do INSS.
A investigação aponta para três estruturas do esquema:
a primeira é de associações locais e de diretores ligados a elas;
a segunda, dos operadores financeiros, que faziam a lavagem do dinheiro, como os dois empresários de Sergipe, que mostramos nessa reportagem;
a última é a dos agentes públicos vinculados ao INSS, que liberavam os descontos indevidos para as associações.
“O INSS alegava que estava tomando medidas. O que a gente vê na prática é que os descontos continuavam ocorrendo praticamente da mesma forma”, diz Luis Eduardo Melo de Castro, delegado chefe da Divisão de Repressão a Crimes Previdenciários da PF do Distrito Federal.
A CGU e a Polícia Federal defendem que o INSS implemente rapidamente um sistema mais seguro, de biometria, para autorizar os descontos, parecido com o que os bancos já fazem usando a câmera do celular.
A Polícia Federal diz: se você é aposentado do INSS e identificou descontos que não autorizou no seu contracheque, denuncie pelo site da PF.
A defesa do ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto disse, em nota, que ao final da investigação a verdade dos fatos será restabelecida e a inocência do ex-presidente será confirmada.