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“O Menino Marrom”: veja trechos do livro de Ziraldo cujo uso foi suspenso em escolas de cidade em MG

Nesta quinta-feira (20), a Secretaria de Educação de Conselheiro Lafaiete emitiu uma nota na qual nega que tenha retirado o livro dos colégios

Fábio Munhoz da CNN

A prefeitura de Conselheiro Lafaiete (MG), cidade localizada a cerca de 100 quilômetros de Belo Horizonte, anunciou nesta semana a “suspensão temporária” dos trabalhos envolvendo o livro “O Menino Marrom”, de Ziraldo. A decisão foi tomada após reclamações de pais de alunos sobre a obra.

Nesta quinta-feira (20), a Secretaria de Educação do município emitiu uma nota na qual nega que tenha retirado o livro das escolas. Segundo a pasta, a suspensão dos trabalhos sobre a obra visam a “melhor readequação da abordagem pedagógica”, evitando assim interpretações equivocadas”.

“Ou seja, a suspensão foi apenas pelo tempo necessário para formalizar um plano de trabalho que evitasse qualquer dupla interpretação ou preocupação junto à comunidade escolar.”

A secretaria diz que, na semana que vem, promoverá uma live com a comunidade escolar para tratar de “aspectos tratados na obra”. “De 25 de junho a 1º de julho, as unidades escolares promoverão rodas de conversa entre professores e membros da comunidade escolar para esclarecer os apontamentos sobre as temáticas abordadas.”

“A Secretaria Municipal repudia qualquer declaração de censura e esclarece que preza pela liberdade de expressão, pluralidade e respeito a todos, ressaltando que em nenhum momento foi cogitada qualquer ação que não fosse manter a obra em seu rol de livros e promover um debate mais amplo sobre as importantes questões nela abordadas”, diz a pasta.

O livro de Ziraldo foi escrito em 1986 e conta a história da relação entre dois grandes amigos: o menino marrom e o menino cor-de-rosa.

Veja trechos do livro:

“Eles tinham estado juntos, praticamente, desde o dia em que nasceram, brincando, conversando, inventando coisas, brigando, rolando na grama, dando socos um na cara do outro, fazendo as pazes, brigando de novo, passeando na praça, jogando na escola, sempre juntos, sempre às gargalhadas, sempre inventando moda. E nunca tinham se preocupado com o fato de um ser de uma cor e o outro ser de outra. Agora, eles queriam saber o que que era branco e o que que era preto e se isto fazia os dois diferentes.”

Em um momento do livro, o autor relata uma situação em que uma idosa estava atravessando a rua e recusou a ajuda oferecida pelo menino marrom. Nos dias que se passaram, o garoto chamou o amigo, o menino cor-de-rosa, para ver a idosa andando em direção à igreja –caminho que ela fazia diariamente.

“E lá apareceu a velhinha, de novo, indo para a missa. Os dois não diziam nada. Só ficaram olhando a velhinha atravessar a rua que levava à praça e depois à igreja. A velhinha sumiu no meio da vegetação da pracinha e os dois voltaram para casa. No dia seguinte, olha os dois lá, de novo, sentadinhos na calçada, esperando a velhinha passar. No final de algumas manhãs, já que o menino marrom não dizia nada, o menino cor-de-rosa resolveu perguntar: ‘Por que você vem todo dia ver a velhinha atravessar a rua?’ E o menino marrom respondeu: ‘Eu quero ver ela ser atropelada’. Como pode durar este jogo de deus e de diabo em peito de menino?”

Em outro momento, o menino cor-de-rosa cresce e, já adolescente, vai embora da cidade onde eles viviam. Enquanto os dois seguiam rumo à rodoviária, relembraram de uma brincadeira que fizeram quando eram crianças. “‘Temos que selar nosso pacto com sangue’’, disse um deles.

O autor, então, lembra, como surgiu a brincadeira do “pacto de sangue”: “Eles eram tão pequenininhos naquela época que nem se lembraram onde tinham visto este negócio de pacto de sangue. Vai ver, um deles tinha ficado sem dormir até mais tarde e pegado um filme de espadachim na televisão, no fim da noite. Sei lá, às vezes, o que a gente aprende vem no vento, sem qualquer explicação.”

“Um deles foi até a cozinha buscar uma faca de ponta para furar os pulsos e misturar o sangue dos amigos eternos. Ficaram os dois, os bracinhos espichados, as mãozinhas fechadas para cima, os pulsos à mostra, latejando. A faquinha na mão de um, esperando o pacto. Os dois ali, parados, sem um sorriso sequer, só o ruído das suas respirações ofegantes, olhando firmes um no olho do outro, sem piscar: pacto é pacto. E a faquinha parada no ar. Até que um deles resolveu a questão: ‘não tem um alfinete?”

Os meninos desistiram de fazer um pacto com sangue e decidiram usar tinta vermelha. Sem achar a tinta nessa cor, usaram a azul. “Foi o menino marrom que achou o vidro de tinta azul. Abriu, enfiou o dedo no vidro e mandou o outro fazer o mesmo. Ficaram os dois com as pontas do fura-bolos cheias de tinta azul. Esfregaram os dedos um no outro, pegaram uma folha de papel e, juntos, assinaram seus nomes. Aliás, assinaram, não: escreveram com a dificuldade que escreviam seus nomes naquela época.”

No fim do livro, o menino marrom escreve uma carta ao amigo, que, àquela altura, já morava em outra cidade, e diz a ele:

“Meu querido amigo, eu andava muito triste ultimamente, pois estava sentindo muito a sua falta. Agora estou mais contente porque acabo de descobrir uma coisa importante: preto é, apenas, a ausência do branco.”

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