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Queda da taxa de natalidade preocupa a Itália

Em 2022, o país do sul da Europa registrou menor número de nascimentos desde que os registros começaram em 1861

Barbie Latza e NadeauValentina e Di DonatoAntonia Mortensenda CNN

A Itália, um país conhecido por suas grandes famílias reunidas na mesa de jantar, está enfrentando uma crise de proporções incomparáveis.

Pela primeira vez na história, o número de nascimentos em um ano caiu abaixo de 400 mil, o que representa uma média de 1,25 bebê por mulher, de acordo com dados oficiais de 2022. Ou seja, a taxa de substituição é agora negativa, uma vez que o número de mortes excede atualmente o número de nascimentos – 12 óbitos para cada sete nascimentos.

A Itália é a oitava maior economia do mundo e tem uma população de pouco menos de 60 milhões de habitantes.

Em 2022, o país do sul da Europa registrou apenas 393 mil nascimentos, de acordo com o Instituto Nacional Italiano de Estatística (ISTAT). É o valor mais baixo desde que os registros começaram em 1861.

Estão fora do registro oficial os bebês nascidos na Itália filhos de imigrantes não registrados e os de casais italianos heterossexuais e do mesmo sexo que usaram barrigas de aluguel no exterior.

Se a tendência não se inverter, o país poderia enfrentar uma “idade das trevas” econômica, pois haverá um declínio no número de pessoas na força de trabalho ao mesmo tempo em que mais pessoas se aposentam.

“No nosso método de aposentadoria, que funciona em sistema de repartição, no qual os trabalhadores atuais pagam os benefícios de pensão dos atuais aposentados, isso criará um grande desafio e fardo”, disse Maria Rita Testa, professora de demografia da Universidade Luiss em Roma, à CNN.

Segundo a professora, as projeções do governo mostram que o pico em termos de gastos com pensões será alcançado em 2044 para atender às necessidades da extensa geração de baby boomers da Itália.

Até 2030, a Itália calcula que dois milhões de trabalhadores se aposentem sem novos membros correspondentes da força de trabalho para pagar suas pensões, de acordo com a professora Testa.

A taxa de natalidade na Itália tem diminuído constantemente desde a crise de 2008, e os demógrafos acreditam que a insegurança econômica está na raiz do problema.

A renda média em toda a Itália é de 2.475 euros (cerca de R$ 13.200), de acordo com o ISTAT. Mas o aluguel médio é de 12,12 euros (R$ 65) por metro quadrado, o que significa que um apartamento familiar de 100 metros quadrados custa 1.212 euros (aproximadamente R$ 6.480), ou cerca de metade do orçamento mensal.

A Itália também costumava ser um país de poupança, com o italiano médio economizando 20% do rendimento anual, segundo dados do ISTAT, em parte porque muitas famílias vivem em casas multigeracionais ou compradas por seus pais. Mas, quando a pandemia da Covid-19 chegou e a Itália se fechou, a taxa de poupança anual caiu para pouco mais de 11% em julho de 2020, e caiu ainda mais, para pouco mais de 5% da renda anual, a partir de janeiro de 2023, de acordo com o Banco Mundial e o ISTAT.

Para casais em idade fértil, muitos deles entrando agora na força de trabalho, isso se traduz em hesitação quando se trata de começar uma família.

“Para aqueles que têm que decidir a transição para a paternidade, para se tornarem pais, o grande problema é encontrar um emprego sólido e independência econômica para permitir o crédito para comprar uma casa e começar a construir uma família”, opinou Testa.

A fim de estimular um boom de nascimento de bebês, o governo italiano vem lançando incentivos, começando com o governo de Mario Draghi, que em maio de 2021 introduziu pagamentos mensais de até 175 euros (cerca de R$ 935) por criança, uma política que continua sob o governo da primeira-ministra Giorgia Meloni.

O plano de Draghi incluiu a injeção de US$ 25,4 milhões (cerca de R$ 126 milhões) na economia para impulsionar o acolhimento de crianças e contratar mais mulheres e jovens. Mas outros países, como a Alemanha e a França, fazem muito mais pelos potenciais progenitores, embora isso nem sempre se traduza em taxas de natalidade mais elevadas.

Na Alemanha, onde os novos pais podem tirar até três anos de licença maternidade parcialmente paga ou não remunerada, a taxa de natalidade é ligeiramente superior à da Itália, com média de 1,4 bebê por mulher alemã, de acordo com dados do primeiro semestre de 2022.

Na França, a taxa de natalidade é ainda superior, com 1,8 criança por mulher, de acordo com os números de 2022 da agência nacional de estatísticas. A situação na Itália é única por duas razões.

A Igreja Católica, que é uma força política predominante, e o governo de direita, sob Meloni, lamentaram a baixa taxa de natalidade, mas colocaram obstáculos nas soluções.

O governo de Meloni promove a família tradicional, critica a reprodução com a ajuda de barrigas de aluguel por casais heterossexuais e gays e rejeita a ideia de oferecer direito de nascimento aos imigrantes, mesmo aos nascidos de residentes permanentes e pagadores de impostos.

“Eu quero um país onde não seja escandaloso dizer que ainda nascemos de um homem e de uma mulher e onde não seja um tabu dizer que a maternidade não está à venda ou que não alugamos úteros”, declarou Meloni na semana passada em uma conferência para abordar a diminuição da taxa de natalidade.

O papa Francisco, que também participou da conferência, disse que a falta de nascimentos significava uma falta de esperança, e sugeriu a ideia de que “aceitação e inclusão” além das fronteiras italianas poderiam ajudar a povoar o país.

A Itália está passando por um aumento sem precedentes na migração irregular.

Entre 10 de janeiro e 16 de maio, 45.510 pessoas chegaram à Itália por mar. Nenhuma dessas pessoas tem direito a asilo ou proteção garantidos, a menos que se submetam a um longo processo de asilo. Além disso, nenhum dos bebês nascidos durante esse processo será contado nas estatísticas demográficas da Itália ou integrado à sociedade italiana, já que eles passaram a viver em campos de migrantes depois que a Itália declarou estado de emergência no mês passado.

Francesco Lollobrigida, cunhado de Meloni e ministro da Agricultura do país, causou espanto no mês passado ao sugerir que os italianos “estavam em risco de substituição étnica” se a migração não fosse controlada. “Esse não é o caminho a seguir”, continuou.

Claudia Giagheddu Saitta, 27 anos, e o marido Gabriele de Luca, 31 anos, estão preocupados em criar uma família com tantas incertezas. Os cortes de impostos sobre produtos para bebês e os incentivos ao nascimento não são suficientes.

“O governo acha que 10 mil euros (cerca de R$ 53,4 mil) são suficientes para ter um filho. Mas os incentivos são temporários. Uma criança dura para sempre”, diz Claudia.

Ela acha que a ideia de ter mais de um filho, ou sequer uma criança, parece impossível.

De Luca culpa o governo por não fazer o suficiente para a geração mais jovem, em parte porque décadas de baixas taxas de natalidade tornaram a juventude uma minoria. Ele diz que, como os governos são eleitos por pessoas nas casas 50, 60 e 70 anos, seus interesses vêm em primeiro lugar.

“O governo tem que correr riscos. Eles precisam tomar decisões impopulares se realmente quiserem estimular o crescimento. Têm de representar o lado da juventude”.

Menos de um quarto das mulheres italianas nascidas em 1980, que agora têm 43 anos, têm filhos, de acordo com o registro nacional de nascimentos. Algumas querem crianças, mas não podem pagar, e outras estão optando por ficar sem filhos.

As mães italianas são as mais velhas da Europa e, de acordo com vários profissionais com os quais a CNN falou, é porque elas sentem que precisam alcançar um certo nível de estabilidade financeira e no trabalho antes de se sentirem confortáveis em iniciar uma família, o que geralmente acontece na casa dos 30 anos.

Testa teme que a baixa taxa de natalidade seja contagiosa. No passado, estrangeiros que viviam na Itália tinham muito mais filhos que as mulheres italianas. Mas, agora, eles estão se adaptando ao clima econômico e se alinhando com a taxa de natalidade italiana.

“A armadilha de baixa fertilidade diz que, se as mulheres e homens se acostumarem às famílias pequenas, isso pode se tornar o ideal, o modelo de referência”, contou.

“Se o modelo de referência for o da família com uma criança, a taxa de fertilidade vai diminuir e criar uma espiral descendente de baixa fertilidade”.

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