Fatores como o isolamento do Irã, o corte na produção de petróleo pela Opep e a volta de Israel para a direita tornam a região um foco de atenção para o mundo
Abbas Al Lawatida CNN Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos
O evento que dominou a agenda de notícias do mundo em 2022 foi a guerra da Ucrânia e suas diversas repercussões no mundo. O impacto do conflito foi sentido profundamente no Oriente Médio, seja no fornecimento de energia da região, seja nas vias navegáveis estratégicas, e até mesmo no papel fundamental das indústrias de armas locais na guerra.
No ano passado, os adversários do Ocidente reforçaram os laços com os estados do Oriente Médio, muitas vezes em detrimento das relações com parceiros ocidentais.
Os estados do Golfo, que queriam permanecer neutros, viram-se numa posição desconfortável com seus aliados tradicionais no Ocidente quando tiveram de escolher os lados na guerra da Ucrânia.
Talvez sem querer, a guerra também aproximou da Rússia ainda mais os produtores árabes de petróleo que fazem parte do cartel petrolífero da Opep, causando a ira dos Estados Unidos. Com as relações da China com os EUA se desgastando, os chineses buscaram fortalecer os laços com a Arábia Saudita.
Mas, mesmo que as relações com o Oriente Médio tenham variado de intensidade, a relevância da região permaneceu intacta e, talvez, tenha até aumentado. A Europa vem procurando cada vez mais garantir sua segurança energética com parceiros na região. O Catar, que sediou a Copa do Mundo da Fifa 2022, deverá se tornar um fornecedor de gás ainda mais significativo para a Europa nos próximos anos.
Enquanto isso, dois vizinhos do Oriente Médio, Irã e Turquia, assumiram lados opostos da guerra na Ucrânia. Os drones feitos nos dois países tiveram um impacto significativo no campo de batalha.
A guerra viu crescer a proeminência internacional da Turquia, seja através das suas tentativas de mediação entre as partes beligerantes, seja por seu posicionamento na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que paralisou a expansão da aliança.
Tudo isso deu um impulso interno ao presidente Recep Tayyip Erdogan, que encara a economia instável do país após uma recessão impulsionada pela inflação.
Veja o que pode acontecer no Oriente Médio em 2023:
O teste do poder de Erdogan nos 100 anos da Turquia
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, estabeleceu um ambicioso conjunto de objetivos para a nação em seu centenário, celebrado em 2023. Mas, ao mesmo tempo, Erdogan vai precisar de muito foco para se manter no poder.
A moeda turca, a lira, vem perdendo valor nos últimos quatro anos e o custo de vida tem aumentado em consequência das políticas monetárias pouco ortodoxas e amplamente criticadas de Erdogan, que se afastaram do aumento das taxas de juro para reduzir a inflação.
Junto com os anos de fadiga do governo e uma nova geração de eleitores que está à procura de mudança, 2023 pode potencialmente marcar o declínio do controle de Erdogan no poder.
As eleições, que devem ocorrer no meio do ano, dominaram a agenda interna da Turquia durante grande parte do ano passado. Pela primeira vez em anos, a oposição – pelo menos por enquanto – parece unida em busca de um candidato que poderia derrotar Erdogan.
No ano passado, o presidente sofreu um grande revés nas pesquisas, com a diminuição de seu índice de aprovação. Projetado e implementado pelo próprio Erdogan, o sistema presidencial requer uma maioria de 50% mais 1 nas eleições – uma proposta difícil para o líder à medida que a economia desacelera.
Na frente internacional, o aliado-chave da Otan continua equilibrando sua aliança desconfortável com os EUA e a Europa.
O apoio contínuo dos EUA a um grupo armado curdo na Síria – que a Turquia considera como uma ameaça nacional –e um relacionamento pessoal frio entre Erdogan e o presidente dos EUA Joe Biden reforçam a relação tensa.
A volta de Israel para a direita
Israel tem um novo governo e, embora ele seja liderado por um rosto familiar, Benjamin Netanyahu, inclui algumas das figuras mais à extrema direita a ocupar posições ministeriais na história israelense.
Vale destacar especialmente Itamar Ben Gvir, ministro da segurança nacional encarregado da polícia israelense, e Bezalel Smotrich, ministro das finanças que terá voz nas políticas que afetam o movimento de palestinos na Cisjordânia ocupada. Os dois são advogados de direita, defensores de assentados, que se tornaram políticos e já foram considerados na margem mais extrema da política israelense.
Os dois ministros alarmaram a comunidade internacional, incluindo os Estados Unidos, que estão preocupados que suas ações possam deteriorar ainda mais a segurança no país. Ben Gvir e seus aliados falaram abertamente sobre a mudança do status quo no local mais sagrado de Jerusalém – conhecido como Monte do Templo para os judeus e Haram al-Sharif para os muçulmanos – onde apenas os muçulmanos têm permissão para orar. Mas as ações no complexo no passado desencadearam uma revolta e até uma guerra.
Depois, há a Cisjordânia, onde Smotrich terá uma grande força na determinação de políticas. A cooperação de segurança entre as forças militares israelenses e as forças de segurança palestinas, que há muito é vista pelos líderes israelenses como uma chave para manter a calma da Cisjordânia, foi extremamente tensa no ano passado – um dos anos mais sangrentos tanto para israelenses como para palestinos.
Netanyahu sempre dirigiu seus governos como um show só seu, muitas vezes assumindo outros papéis, como o de ministro das relações exteriores. Em entrevistas recentes, Netanyahu afirmou várias vezes que ele e seu partido Likud ditarão a política. Mas aliados como os líderes da comunidade judaica nos EUA estão preocupados que Netanyahu possa ter construído algo que ele não será capaz de controlar totalmente. Uma das maiores questões é como o governo Biden trabalhará com o governo israelense – e se irá interagir com os dois ministros controversos. Até agora, os EUA estão adotando uma abordagem de compasso de espera. O secretário de Estado Antony Blinken disse em dezembro que os EUA irão julgar o governo israelense “pelas políticas e não pelas personalidades individuais”.
As disputas não resolvidas com a Grécia a respeito das fronteiras marítimas no Mediterrâneo, bem como uma guerra de palavras sobre um destacamento militar grego nas pequenas ilhas do Egeu perto da Turquia, continuam aumentando as tensões com a Europa.
A relação com o continente pode ou não melhorar para além da cooperação, mantendo migrantes e refugiados confinados à Turquia, mas isso vai depender de encontrar interesses em comum.
Quando se trata da Ucrânia, a posição turca, independentemente de quem ganhe as eleições, permanecerá em grande parte inalterada. A política de “neutralidade pró-ucraniana”, como é chamada localmente, se pagou com um acordo global de grãos de muito impacto e impediu a economia turca de se enfraquecer ainda mais.